A causa possivelmente são os turnos de trabalho, que incluem madrugadas seguidas.
O levantamento, feito por uma pesquisadora a pedido da Abrapac (Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil), ouviu 1.122 pilotos de voos domésticos entre dezembro de 2013 e março.
Foi a primeira vez que a fadiga da tripulação e a sonolência foram tratados no Brasil com essa abrangência. Há 5.966 pilotos de linha aérea no país, diz a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
As empresas aéreas não contestaram a pesquisa.
Dormir a bordo involuntariamente constitui infração na maioria das empresas. Consultadas, TAM, Gol, Azul e Avianca não informaram se já puniram alguém por isso.
Pior: o cochilo representa risco à segurança, uma vez que a atividade dos pilotos dentro da cabine, como monitorar as condições do avião e falar com o controle de tráfego aéreo, exige atenção constante.
Demonstra, também, exaustão dos pilotos, incapazes de se manter acordados.
Em voos domésticos, são dois tripulantes na cabine, o comandante e o copiloto; se um dorme, aumenta a carga de trabalho do outro.
Não intencional
Uma das responsáveis pela pesquisa, Elaine Marqueze, doutora pela USP, diz que os pilotos possivelmente cochilam porque acordam para trabalhar - ou já estão em serviço - no melhor horário para dormir: entre as 3h e as 4h.
Nessa hora, a temperatura corporal está baixa e os níveis de melatonina (hormônio do sono) elevados.
Ela já estudou o sono dos caminhoneiros e apresentará o estudo com os pilotos no Congresso Brasileiro de Epidemiologia, em setembro.
Na pesquisa, os pilotos disseram trabalhar em média quatro madrugadas seguidas.
Com o Sindicato Nacional dos Aeronautas, a Abrapac defende projeto de lei, em andamento no Senado, que limita a duas o número de madrugadas consecutivas que os pilotos trabalham. O texto foi aprovado na comissão de assuntos sociais em junho, mas pode receber ajustes.
No mundo, não é totalmente proibido que um piloto cochile a bordo – de modo intencional e planejado, diferentemente do que concluiu o estudo brasileiro.
A depender da situação, a soneca chega a ser estimulada, para melhorar a atenção.
Maior autoridade mundial no setor, a Oaci (Organização de Aviação Civil Internacional, ligada à ONU) prevê o "descanso controlado", um cochilo por até 40 minutos, como maneira de atenuar o risco de fadiga dos pilotos.
Esse é o tempo que um ser humano pode descansar sem cair no sono profundo, segundo pesquisa feita nos anos 1990 pela Nasa (agência espacial americana). O cochilo proposital é capaz de deixar os pilotos mais alertas.
A regra da Oaci prevê que um dos pilotos fique acordado para o outro dormir e que o avião esteja em piloto automático e etapa de cruzeiro.
Como é comum na aviação, a norma foi resposta a acidentes em que o cansaço de pilotos foi fator contribuinte. Em maio de 2010, por exemplo, um Boeing 737-800 da Air India caiu ao tentar pousar.
A apuração concluiu que o comandante dormiu durante o voo e que a desorientação o fez errar. O acidente resultou em 158 mortos.
As autoridades de aviação civil da Europa, dos Emirados Árabes e do Canadá, entre outras, preveem o sono controlado. A norma também é endossada pela Iata (associação que reúne a maioria das empresas aéreas no mundo). O Brasil ainda não tem legislação a respeito.
Aéreas dizem controlar jornadas
Sem tratar dos cochilos, TAM e Gol disseram controlar as jornadas dos tripulantes e manter programas de gerenciamento de fadiga.
A TAM acrescentou que entre as medidas que adota está reduzir o trabalho na madrugada e folgas por dois dias seguidos. A Avianca não respondeu e a Azul indicou a Abear para falar.
A Abear diz que a pesquisa "é mais uma fonte de conhecimento técnico-científico, entre diversas, a fornecer diferentes perspectivas sobre fadiga". A entidade diz ser favorável ao debate sobre mudanças na lei do aeronauta – criou um comitê para tratar com os pilotos.
Os tripulantes brasileiros trabalham menos horas do que os dos EUA, diz a Abear.
A Anac diz auditar o sistema de gerenciamento de risco de fadiga das empresas. Afirma ainda que relatórios de prevenção e as denúncias de fadiga indicam que a implantação pelas empresas do sistema de gerenciamento de risco de fadiga tem sido eficaz para prevenir violações. E diz que, em voos internacionais, a tripulação tem três ou mais pilotos.Reportar Erro
Deixe seu Comentário
Leia Também
Brasil
Agendamento online para emissão de passaporte é retomado pela Polícia Federal
Brasil
Com Corumbá na lista, Força Nacional reforçará segurança no 'Enem dos Concursos'
Brasil
Ex-deputado federal é preso por violência política e ataques na internet
Política
Senado aprova projeto que isenta do IR quem ganha até dois salários mínimos
Justiça
Defesas alegam ato pacífico, mas STF condena oito pessoas por atos antidemocráticos
Política
PEC que criminaliza o porte de drogas independente da quantidade segue para a Câmara
Política
Senado vota PEC que criminaliza posse de qualquer quantidade de droga ilícita
Justiça
"Graves infrações" afastam juíza da Lava Jato e mais 3
Brasil
Embarcação é encontrada no Pará com vários corpos em decomposição
Política